Senna: Um domingo que jamais será esquecido :: Crítica
Asif Kapadia, Ayrton Senna, Crítica, documentário, ResenhaDia 01 de maio de 1994. Seria feriado de Dia do Trabalho se não fosse um domingo. Lembro de ter sido acordado pelo meu irmão: “Zé Luis, acorda rápido, o Senna bateu e já faz uns 10 minutos que estão tirando ele do carro, até o Galvão Bueno tá falando meio triste”. Levantei a tempo de ver Ayrton sendo colocado no helicóptero. Era o começo de um dia inesquecível, negativamente inesquecível.
O documentário de Asif Kapadia não trata apenas deste dia fatídico. Começa com imagens de um Senna bem jovem chegando para concorrer em um campeonato de kart na Europa. Vemos um pouco dele correndo no kart, carro que dominava. O filme ignora toda sua carreira pré-F1 e corta para a corrida de Mônaco, em 1984, onde ele pilotava pela modesta equipe Toleman.
Nesta corrida, debaixo de chuva, Ayrton começa a ultrapassar a todos os oponentes, deixando o líder Alain Prost desesperado, pedindo para que a corrida fosse interrompida. O diretor pára a prova com Prost em primeiro, acabando com a chance de Senna ter sua primeira vitória na F1. O filme só esqueceu de falar que, por causa desta interrupção, Prost acabou perdendo o campeonato de 1984 para Niki Lauda por meio ponto, já que a corrida não tinha ainda 75% de seu total e valeu apenas metade dos pontos: 4,5 pontos para o vitorioso. Se Prost tivesse corrido até o fim e ficado em segundo, teria ganho 6 pontos, isto é, ele seria campeão com um ponto a mais que Lauda.
E isso acaba acontecendo por todo o filme. Eles mostram uma informação interessante, mas ignoram diversas outras que mostrariam quem foi Ayrton Senna.
O filme fala apenas de uma corrida do Senna na Lotus, sua primeira vitória, no GP de Portugal de 1985, mas ignora que ele ficou lá por 3 anos e protagonizou uma verdadeira guerra com Nelson Piquet, o outro piloto brasileiro, que na época pilotava uma ótima Williams e já era bi-campeão mundial. Tanto com a Lotus preta, quanto com a Lotus amarela, Senna teve corridas e duelos memoráveis com Piquet, em uma época em que começamos a nos acostumar com Galvão gritando: “Dooooobradinha brasileira!”.
Senna (Lotus) X Piquet (Williams):
O filme de Asif vai direto para a chegada de Senna à McLaren e, a partir daí, acompanhamos sua guerra com Alain Prost. De novo, o filme não mostra grandes duelos entre eles na pista, mas praticamente nos coloca dentro da briga entre o brasileiro e o francês, com a participação especial de Jean-Marie Balestre, o presidente da FIA, conterrâneo de Alain. No documentário, Prost é uma espécie de Darth Vader, enquanto Balestre é o Imperador Palpatine.
Na hora em que vi a figura arrogante de Balestre vociferando contra Senna, todo um sentimento de ódio, que eu nem lembrava que havia sentido, voltou. O presidente da FIA se tornou o inimigo público número um dos brasileiros e o filme dá a exata noção disso. Eu, no auge dos meus 12 anos, queria dar um tiro em Jean-Marie Balestre.
Depois do duelo com Prost e mostrando os três títulos ganhos por Ayrton, o filme passa muito rápido pelo período em que a Williams dominou, com seu carro totalmente controlado por computador, deixando a McLaren de Senna muito para trás. Mais uma vez, o filme ignora aquela que é considerada por muitos a melhor volta já feita na história da F1, em Donington Park 1993, debaixo de uma chuva torrencial, onde o brasileiro larga em quarto, cai para quinto, mas consegue ultrapassar todos os pilotos que vinham à sua frente antes do final da primeira volta, sendo que dois deles eram Hill e Prost, com suas invencíveis Williams.
A melhor volta de todos os tempos:
Vemos a última vitória de Senna, na última prova de 1993, e finalmente chegamos na passagem do piloto para a Williams, equipe que ele defendeu por duas corridas e 6 voltas, antes do terrível acidente que o vitimou.
O filme mostra muito bem como foi aquele triste fim de semana, onde Barrichello sofreu um acidente incrível, onde Roland Ratzenberger morreu ao bater seu Simtek a mais de 300 km/h e onde espectadores e mecânicos sofreram ferimentos ao serem atingidos por pedaços de carros. Acompanhamos os acidentes de sexta (Barrichello) e sábado (Ratzenberger), com as reações de Senna para eles. E revemos todo o drama do domingo, com o brasileiro batendo, sendo socorrido e, finalmente, sendo declarado morto. A partir daí é muita tristeza e emoção.
Senna é retratado como alguém íntegro e que luta até o fim pelo seu ponto de vista, é muito fácil torcer por ele. Acho que faltou mostrar um pouco aquele outro lado do piloto, que quem acompanhava a F1 na época conhecia bem: Ayrton era uma pessoa muito introvertida e todos que competiam com ele diziam que era alguém difícil de lidar. Senna brigou com praticamente todos os seus grandes adversários, não apenas com Alain Prost, e não foi apenas o francês que o acusou de ser maluco, devido às suas manobras arrojadas, especialmente no começo de sua carreira. Uma coisa não dá para negar, com Senna, Prost, Piquet e Mansell, as corridas eram bem mais divertidas e disputadas, e as brigas sempre mais interessantes. Era um tal de um fechar o outro, quando isso ainda era permitido...
Senna, Prost, Mansell e Piquet disputavam o título de 1986
Apesar do documentário pular alguns fatos importantes, é um deleite para os fãs de automobilismo e do piloto. A tristeza na saída da sala era palpável. Por mais que todos já tivessem visto aquelas cenas, é emocionante reviver o dia primeiro de maio de 1994. Um domingo que jamais será esquecido.
Senna: Um domingo que jamais será esquecido :: Crítica é um post original do blog dos Grandes Filmes.
Autor: Grandes Filmes - @grandesfilmes Criador e revisor do blog dos Grandes Filmes. Viciado em cinema e nerd incorrigível. |